"Venda de bebida alcoolica não é crime", diz corregedor do TJ

Felipe Gurgel
Repórter de Esportes

Desde que foi criada, a lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, que os clubes de futebol passaram a sofrer com a queda de público durante as partidas, já que os torcedores preferem ir para bares assistir seu time do coração jogar.  Mas, de acordo com o Juiz Corregedor Estadual, Paulo Maia, a verdade é que não existe nenhum lei que vete a venda de bebidas alcoólicas nos estádios e sim apenas uma resolução da Confederação Brasileira de Futebol, que impede a comercialização, através do artigo 13-A do Estatuto do Torcedor.

Júnior SantosJuiz Corregedor Estadual, Paulo Maia, afirma que não existe nenhuma lei impeça venda de bebidas alcoólicas nos estádiosJuiz Corregedor Estadual, Paulo Maia, afirma que não existe nenhuma lei impeça venda de bebidas alcoólicas nos estádios

Nessa entrevista polêmica concedida a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, o juiz critica a atuação do Ministério Público, se mostra contra a proibição das torcidas organizadas  nos estádios, ataca a bancada evangélica do Congresso Nacional e revela que, se os clubes não fosse tão subservientes a CBF, já poderiam ter derrubado essa resolução da mandatária do futebol e brasileiro e estariam comercializando bebidas alcoólicas em seus estádios.

O senhor é contra a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol?

Não é a questão de ser contra ou a favor. É que essa proibição não existe. O que há, na verdade, hoje em dia, é a interpretação de um artigo, isolado, do Estatuto do Torcedor, inserido posteriormente a duas decisões que já existiam no Rio Grande do Norte, reconhecendo a legalidade da vendas de bebidas nos estádios. É bom lembrar que o nosso estado tem duas decisões, uma em 1º grau do juiz da 4º Vara da Fazenda Pública e outra do Desembargador Expedito Ferreira, permitindo a comercialização de bebida alcoólica nos estádios, antes desse artigo. E depois desse artigo ser publicado, não houve mais questionamentos no poder judiciário. Quero dizer também que não existe nenhum processo, em relação a isso. É apenas uma opinião minha, que sou torcedor de futebol, acompanho os jogos e entendo um pouco de direito.

Então, não existe nada que impeça a venda de bebidas alcoólicas nos estádios?

Proibição não há. O que existe é a interpretação de um artigo, posterior as decisões tomadas no Rio Grande do Norte, que nunca mais se ajuizou nenhuma outra ação para se questionar se  essa interpretação desse artigo 13-A, que supostamente proibia a venda de bebidas, está  dentro dessa proibição ou não.

Quem quiser recorrer dessa decisão, pode fazer?

Veja bem, é como eu digo: não existe nenhuma decisão. Vou dar um exemplo. Nós tínhamos os bares do Machadão, que estavam lá há anos. O pessoal tinha uma certa orientação e buscaram no judiciário e conseguiram resolver a questão e foi permitida a venda de bebidas alcoólicas. O Rio Grande do Norte foi um dos primeiros estados do Brasil a conseguir isso. Outro detalhe: não há lei estadual vedando. Porque, qual foi a explicação que se deu, quando foi publicada a Lei Geral da Copa? Que, se existir lei, cada estado vai resolver. O Rio Grande do Norte não tem uma lei vedando bebida alcoólica nos estádios. O que está acontecendo é que não tem um dono de bar, ou até mesmo os clubes que questionem isso. Os clubes estão perdendo investimentos por causa disso. Até bem pouco tempo, uma marca de cerveja, vendia seus produtos nos jogos, com os escudos dos clubes nas latas. Era uma fonte de renda. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol), disse que era proibido, baixou uma resolução e nenhum setor jurídico dos clubes questionaram.

A CBF tem poder para isso?

De forma alguma. Resolução de CBF, está abaixo de qualquer norma. No artigo, diz que é proibido portar substâncias proibidas que possam gerar prática de violência. Primeiro, bebida alcoólica não é proibida. E, qual foi o estudo, a lógica, que diz que bebida gera violência no estádio de futebol e só lá? Quer dizer que em shows, boates e bares, onde todos estão assistindo os jogos, rivais lado a lado, em mesa de bar, não gera violência? Isso é de uma hipocrisia e de uma inocência, que não sei. É uma interpretação tão estranha que não sei os interesses que estão por trás disso tudo.

Será que os clubes, que são subservientes a CBF, não ficam calados por causa disso?

De certa forma, sim. Mas agora, a CBF vai mudar de posição de novo, porque a FIFA (órgão que controla o futebol mundial), tem um grande patrocinador que vende bebidas alcoólicas, que vai impor a vendas de bebidas na Copa que vai ser disputada no Brasil. A hora é agora. Tem gente que vai me criticar, falando que eu estou tratando de um direito muito importante que é poder beber durante uma partida de futebol. Não estou defendendo isso. O que defendo é uma tese jurídica, em relação à liberdade.

Como assim?

Cada vez que tiram pequenas coisas da população, abre portas para outras maiores. Estamos vendo a blitz da Lei Seca, parando todos, indiscriminadamente. Voltando um pouco no tempo, quando o uso do cinto de segurança passou a ser obrigatório. Hoje, todo mundo usa por uma questão de educação. Mas, no início, foi impositivo. Quando você abre mão dessas pequenas parcelas de liberdade, depois, a pessoa vai acabar tendo que abrir mão de tudo. O que defendo é que não há vedação de bebidas alcoólicas. Se ela não gera violência durante a Copa, também não gera em qualquer outro período do ano. Isso é óbvio e tem que ter bom senso.

Com a FIFA determinando que pode vender bebidas alcoólicas durante o Mundial, não mostra que o país, no caso o Brasil, está aceitando o que ela impõe?

Se pelo menos o país baixasse a cabeça para interpretar a coisa de uma forma melhor, eu fico feliz. Se você for olhar um pouco mais atrás, essa questão da proibição de venda de bebidas, de cigarros e várias outras, sempre foi posições da bancada evangélica do Congresso Nacional. Nada mais do que isso.

Isso não é um tema polêmico, falar sobre religião?

Acho sim, mas gosto de falar de temas polêmicos. Adoro. Mas, é fácil perceber que você tem uma bancada forte no Congresso Nacional, que impõe e faz as outras pessoas baixarem a cabeça, muito mais que a FIFA. Existem milhões de brasileiros que não se submetem a esses conselhos religiosos e morais que eles querem impor, mesmo assim, estão tendo que agüentar, calados, esse tipo de situação, que enfiam goela abaixo. Nada mais é do que dogma religioso. Se a FIFA determinada que pode vender bebida alcoólica, é porque não há problema. É um diálogo entre a FIFA é o Brasil no sentido que seja acatada uma coisa que é lícita.

A própria FIFA libera a venda de bebida alcoólica nos estádios...

Exato. Bebida alcoólica tomada em quantidade moderada, é considerada saudável. São várias pesquisas que mostram isso. Não estou fazendo apologia ao álcool não. Sei que em outras tantas situações, há violência, nos bares, nas madrugadas, vemos isso. Mas, essa associação com o estádio de futebol, é um dogma, uma invenção, que não consigo entender.

O senhor não acha que essa decisão, não é para atingir as torcidas organizadas?

Também, sem dúvida. Mas, o que vemos e me incluo nisso, já que sou torcedor de arquibancada, são os torcedores bebendo muito mais fora do estádio e assim que acaba o jogo, na lata de cana ou com drogas e entorpecentes, que são de uma facilidade enorme para entrar no estádio, já que a pessoa esconder um cigarro de maconha é mais fácil do que uma grade de cerveja, o que vemos é que as torcidas organizadas elas bebem muito mais antes e depois e brigam fora do estádio. Em quantos jogos, nessa série B, os times daqui, ABC e América, vão ter jogos com torcidas adversárias presentes? Aquelas que, realmente, podem gerar confusão? Os dois clássicos, e, provavelmente contra o Ceará e o CRB. Será, que a venda de bebidas alcoólicas nesses jogos, vai fazer com que aumente o número de violência ou eles vão se matar nos bairros, paradas de ônibus? Eu estou dizendo, porque vejo isso. Não adianta ficar no mundo da fantasia dizendo que vai cortar a bebida, as torcidas organizadas e acabou a violência. Mesmo que os torcedores não estejam com as camisas dos seus times, serão reconhecidos pelos seus rivais e vai ter briga do mesmo jeito.

Conscientizar é a melhor solução?

Já existe, a previsão, hoje, por exemplo, de um torcedor que causa problema, no estádio ou nos arredores, que ele fique prestando serviço a comunidade, no horário dos jogos.

Mas, essa lei não é cumprida no Brasil...

Primeiro, tem que identificar o agressor e levar ao judiciário.  Isso acontecendo, com certeza a pena vai ser essa.  O difícil é identificar quem é e efetivamente condenar,  mas isso não acontece. Os crimes são cometidos em lugares esmo, escondidos. A única coisa que se sabe, é que é uma facção contra a outra e é difícil de identificar.

O Senhor é contra ou favor da extinção das torcidas organizadas?

Sou contra. É mais uma tentativa de frear a liberdade individual. Todo mundo é livre para se associar ou deixar de se associar a qualquer instituição. Isso está na nossa Constituição. Qualquer coisa que venha impedir isso, é inconstitucional e mais, quando isso acontece, a extinção de uma torcida organizada, por exemplo, estamos dando a mão a palmatória, dizendo que o mal venceu. O Estado não é capaz de coibir a violência, de identificar os marginais infiltrados nas torcidas organizadas e simplesmente vai extinguir?  Assim é muito fácil. Você não vai acabar com os marginais, proibindo as torcidas. Porque, ele vai deixar de ser da Máfia Vermelha ou da Gang Alvinegra  (torcidas organizadas de América e ABC, respectivamente) e vai ser da Máfia das Quintas ou da Gang das Rocas. Vai ser a Gang de Felipe Camarão, contra a Máfia do Golandim, por exemplo. Isso eu sei, porque já tive casos assim.

Pode dizer como foi?

Tive um caso em São Gonçalo do Amarante, quando era agente criminal lá, que perguntei ao cidadão, porque ele tinha matado o outro cidadão, no interrogatório. Ele me respondeu, simples, que o rapaz era do Golandim e ele do Amarante. Ainda disse que o outro rapaz não tinha feito nada, para que ele o matasse. O problema é que os valores são diferenciados.

Como o senhor disse, é torcedor de arquibancada. O que acha da atuação da polícia nos estádios?

Já vi atos de violência gratuita. Mas, sempre levo em consideração que trabalhar com multidão, é muito complicado. Quando existe a multidão delinqüente, que é quando você tem dois ou três incitando a massa, o efetivo policial não vai conter, se não for com algum tipo de violência. Eu mesmo, já apanhei da polícia, porque teve uma confusão na minha frente. Mas, quem vai para locais com multidão, está sujeito a isso. É igual ao Carnatal, nos grandes eventos. Na partida entre América e Paysandu, ano passado, pela série C do Brasileiro, eu estava lá. Vi toda confusão. A polícia não tinha outra coisa a fazer, porque o confronto estava acontecendo. Lógico que ia sobrar para alguém. Mas, acho que a polícia tem agido dentro do limite. Salvo os casos que forem comprovados que houve excessos, que serão analisados. Mas, via de regra, eu vejo a atuação da polícia de uma forma positiva.

Tem como fiscalizar a venda de bebidas alcoólicas nos estádios?

Alguns estados criaram leis, depois do artigo 13-A do Estatuto do Torcedor. O Rio Grande do Norte não. Ficou com a interpretação desse artigo e de que ali já bastava para proibir. Isso, eu digo, a Federação Norte-riograndense de Futebol e o Ministério Público, que é quem fiscaliza os estádios. Respeito a interpretação do MP, só não concordo. Minha opinião é radicalmente contrária. Mas, existe a fiscalização do Ministério Público, inclusive, utilizando a polícia para isso, que é uma coisa que eu não entendo. Como é que a polícia está reprimindo uma questão não criminal? A venda de bebida alcoólica não é crime. Isso caberia a fiscalização interna da FNF, da CBF e dos clubes. Se o clube for pego vendendo bebida, que seja colocado na súmula perca um mando de campo, qualquer coisa. Mas, a polícia prender o cidadão que está vendendo bebida, é o último absurdo. Estão usando a polícia para fazer a fiscalização da CBF.

Na mesma determinação da CBF que proíbe a venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios, também proíbe a venda em um raio de 200 metros do estádio. Mas, isso não acontece...

Essa interpretação não há coerência nenhuma. O que eu tenho visto, é que o pessoal que bebe, chega mais cedo ao estádio, bebe até a hora de entrar, para compensar o tempo que ficar sem beber durante o jogo e quando sai, volta a beber. É uma hipocrisia. Não tem nenhum efeito prático. Isso, acarreta dois prejuízos: a liberdade e outro aos clubes e as pessoas que tem direito ao trabalho. A venda da bebida alcoólica, gera divisas, ao clube e aos vendedores.

Se um clube quiser vender bebida, como ele deve proceder?

Buscasse seu setor jurídico, ajuizasse uma ação, com a obrigação de não fazer, com pedido de tutela antecipada, com base da inexistência da vedação. Até hoje, me pergunto porque os clubes ainda não fizeram isso. 

do TN

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