O perdão e o desabafo de João Faustino


Ao falar sobre o livro, a satisfação fica visível. Ao relatar passagens da própria vida abordadas no livro, a emoção aflora. O ex-senador João Faustino lançará hoje, às 19h, no Centro de Eventos dom Eugênio Sales, o livro "Eu Perdoo". Como o próprio nome já diz, a obra traz a temática do perdão e na ótica de quem, assumidamente, vive o perdão. João Faustino lembra que o primeiro grande ato de perdoar viveu ainda aos nove anos de idade. A revelação sobre o assassinato do pai mostrou que os principais indícios levavam ao envolvimento da mãe dele e da avó materna. "Aos nove anos de idade eu tive que enfrentar a necessidade de construir dentro de mim o sentimento de perdão porque, caso contrário, não conseguiria viver a vida que vivi.", afirma; a expressão do olhar aflora a emoção do testemunho.
Adriano AbreuJoão Faustino, ex-deputado e ex-senador: São relatos dolorosos e retratam o momento que precisa ser repudiado e excluído da vida brasileira
João Faustino, ex-deputado e ex-senador: São relatos dolorosos e retratam o momento que precisa ser repudiado e excluído da vida brasileira

Outro capítulo do livro de João Faustino recai sobre um episódio recente vivido pelo político: a prisão, quando foi acusado de participar da Operação Sinal Fechado, uma suposta denúncia de fraudes em processos licitatórios no Governo Wilma de Faria e Iberê Ferreira. Também nesse episódio, o ex-senador afirma que perdoa, embora, ainda hoje, não encontre uma explicação lógica para ter sido envolvido na questão. Ele lembra que nunca nem mesmo chegou a ser ouvido pelo Ministério Público. Mas o perdão relatado por João Faustino no livro recai também sobre o de outras pessoas, como o drama dos anistiados, que ele conheceu de perto quando atuou na primeira comissão de anistia.Aos 70 anos, João Faustino se mostra empolgado com o "Eu Perdoo", mas já faz planos de lançar a próxima obra, enquanto também se detém nos estudos de Direito, curso que ele está na fase final de conclusão. Eis a entrevista que João Faustino concedeu a TRIBUNA DO NORTE:

O senhor perdoa quem ou o que?

Veja bem, primeiro é bom que se fale sobre o perdão. Eu entendo que todo ser humano, no seu cotidiano, está exposto a injustiças, a agressões, a traições, enfim, a tudo que agride a vida, a dignidade e a liberdade. Então essa exposição produz sentimentos de revanchismo, quando há injustiça, traição, de ódio, quando o ressentimento é mais profundo, de vingança e a verdade é que esses sentimentos distanciam a pessoa da paz. Eu diria que para que se chegue a paz, em qualquer momento, é preciso que se passe pelo perdão. O papa João XXIII disse que a justiça é sinônimo de paz. Via o papa a justiça e a paz sob a ótica social. Eu diria que a paz passa pelo perdão, vendo o perdão e a paz como algo individual, da vida da pessoa. É preciso que se tenha noção exata do perdão, da vinculação dessa atitude. O perdão é uma atitude e ainda a vinculação dela (da atitude) com o sentimento de paz. Eu diria que sou um homem pacífico e vivo essa paz interior intensamente. Não posso dizer que nada me perturba. Mas diria que a perturbação advinda do mundo ela é muito insignificante diante da minha paz interior. 

Mas quem o senhor perdoa?

Eu diria a você, primeiro, que o exercício do perdão nasceu em mim desde os nove anos de idade. E talvez tenha sido o momento mais difícil dessa trajetória. Porque nesse momento eu me deparei com o assassinato do meu pai. Eu tinha nove anos de idade. Isso em Natal, 1951, quando Natal tinha aproximadamente 50 mil habitantes. A descoberta desse crime só ocorreu dois anos e meio depois. Havia várias suposições, mas o mistério perdurou por muito tempo. E perdurou na circunstância como um crime inconcluso, um inquérito sem resultado. E quando se investigou a partir de uma recompensa que meu avô paterno anunciou abertamente à imprensa da época. Quando foi feito o lançamento da recompensa apareceram as denúncias e o pior é que as pessoas mais implicadas eram a minha mãe e minha avó materna. Isso está no livro de forma muito clara. Eu havia assumido um compromisso comigo de que ao chegar aos 70 anos de idade, onde cheguei, iria revelar coisas da minha vida que precisavam ser ditas. E chegou esse momento. Acontece que aos nove anos de idade eu tive que enfrentar a necessidade de construir dentro de mim o sentimento de perdão porque, caso contrário, não conseguiria viver a vida que vivi. Diria que foi uma vida com muitas vitórias, muitas conquistas, uma família bem construída, filhos maravilhosos, amigos extraordinários e um serviço prestado ao Rio Grande do Norte e ao Brasil. O livro tem esse significado começa aí, mas não é somente isso. Como não é só Sinal Fechado (operação deflagrada pelo Ministério Público que culminou com a prisão de João Faustino). O livro passa por vários momentos da minha vida, que exigiram atitude de perdão. Diria que não foi só de mim, mas de outras pessoas envolvidas. No livro eu falo sobre anistia. Eu fui presidente da primeira comissão de anistia instituída no pós Constituição de 1988. O presidente  Fernando Henrique, em certa ocasião, decidiu concluir o processo de anistia no Brasil. Esse benefício estava previsto no artigo oitavo das exposições transitórias da Constituição Federal. E o presidente da República, por intermédio do ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, convida-me para presidir essa comissão. A partir daí eu convoco audiências públicas para ouvir pessoas que haveriam de requerer a anistia. E selecionei dez depoimentos para o livro. São relatos dolorosos e retratam o momento que precisa ser repudiado e excluído da vida brasileira.

A impressão é que o perdão na vida pessoal se torna mais difícil do que na política. Esse é o sentimento do senhor? 

Eu digo que o perdão da política não atinge diretamente, embora que alguns fatos atinjam, é quase que institucional. A vida partidária é de idas e vindas, de acertos e desacertos. Diferentemente da vida onde se estabelece uma relação entre pessoas. A vida política é relação entre partidos, entre correligionários. A atitude do perdão vincula mais a relação entre pessoas. O livro tem um personagem que é João. Ele é sempre na terceira pessoa e não na primeira. João é o personagem. Só vamos identificar João no final do livro. Mas eu diria, logo no início, em palavras do autor, falo de um encontro que tive com uma figura emblemática de Natal chamada padre Tiago (padre Tiago Thissen). Em janeiro, depois do episódio da minha prisão, ele foi conversar comigo e levou duas frases escritas. E começamos a conversar. As duas frases me fizeram refletir e aprofundar meu conceito sobre o perdão. Ele começava dizendo que o prefixo "per" juntado ao verbo dá uma força extraordinária. Por exemplo, perfurar é mais do que furar. Perfurar é algo profundo. Perfazer é mais do que fazer. Fazer é roteiro, perfazer é aperfeiçoar o que foi feito. Ele foi citando vários exemplo e chegou ao final para dizer que perdoar é mais do que doar. 

Foi a operação Sinal Fechado que lhe levou a escrever?

Não. Eu já estava planejando lançar o livro. Eu escrevi o livro em dois meses, janeiro e fevereiro. Livro é uma mão de obra enorme. Você escreve, tem que escolher quem faz o prefácio, nesse livro o prefácio é de Diógenes da Cunha Lima e a apresentação de Aloysio Nunes Ferreira. É preciso pedir a alguém para fazer a orelha do livro. No meu a orelha é de Marcelo Nobre, que era do Conselho de Justiça. É preciso mandar para um bom revisor. Escolher a capa. Então, eu aprontei o livro em outubro e será lançado hoje.

Passado todo episódio da Sinal Fechado, o senhor perdoa o Ministério Público?

Perdoo inteiramente. Eu acho que as pessoas estão expostas a erro. Agora o importante é que eles, os que fizeram, reconheçam o seu erro. Aí eles não serão diminuídos, serão engrandecidos. Eu construí uma vida limpa. Não seria aos 70 anos de idade que eu iria me envolver com coisas aparentemente absurdas. Eu não sabia nada da operação, dessa história de sinal fechado. Não conhecia qualquer detalhe. Eu fui obrigado a estudar. Agora veja, construí uma vida limpa. Exerci quase todas as funções que um homem público pode exercer. Eu fui secretário de estado duas vezes, secretário da prefeitura, 16 anos deputado federal, senador da República, ministro de Estado. Nunca tive meu nome nas relações que os Tribunais de Contas publicam ao final de cada ano onde relacionam gestores que cometeram equívocos administrativos. Nunca tive meu nome nem mesmo numa relação dessa. Isso (a operação Sinal Fechado) me gerou um desconforto, eu nunca fui ouvido. Nunca me convocaram para ser ouvido. Eu poderia até chegar perante o promotor e dizer que não iria falar. Mas eu jamais faria isso. Eu gostaria de ter sido ouvido, de ter dito a minha verdade sobre os fatos de que me acusaram. Nunca tive o direito de ser ouvido. Eu não tenho explicação e nem como explicar o meu envolvimento e nem como explicar a razão de não ter sido ouvido. Só tenho uma explicação de tudo isso e me conforta: o STJ considerou a prisão ilegal e arbitrária. Poucos foram os habeas corpus do STJ nesses termos.

Nessa sua ótica, a que o senhor credita o episódio da Sinal Fechado? Seria alguma motivação política?

Eu posso supor que tenha havido uma motivação política. Mas eu comigo mesmo duvido muito que o Ministério Público venha a se comprometer a esse ponto de ter o seu nome envolvido em uma articulação meramente política para prejudicar pessoas. Não acredito. Agora pode ter ocorrido? Pode por uma questão ideológica. O Ministério Público quanto a Polícia são equipamentos do Estado. E por serem equipamentos do Estado eles são ideológicos, seguem o que é de interesse desse processamento. Não há ideologia partidária, mas há uma ideologia. Muitas vezes o Ministério Público vai a exaustão da sua missão, muitas vezes até exagerando. Mas o Ministério Público é convicto que há uma instância após, que é o Judiciário, que vai corrigir imperfeições cometidas.

O senhor falou que já foi secretário, ministro, senador, deputado. De todos os cargos, qual o mais lhe marcou?

O que me realizou plenamente foi o trabalho que fiz pela educação do Rio Grande do Norte. No momento em que exerci a secretaria de Estado passou de décimo oitavo lugar no ranking para décimo quarto. Ganhamos quatro posições. Hoje é mais do que vigésimo. Qualificamos todos os professores, implantamos o estatuto do magistério. Esse foi o cargo que mais me conferiu realização pessoal. Agora se você me perguntar o cargo onde exerci mais poder. Diria que foi a Secretaria da Presidência da República.

O que o senhor planeja?

Primeiro quero continuar essa trajetória. Eu não posso dela me afastar, depois de toda essa existência, de 70 anos. Agora você me pergunta o que eu pretendo fazer. Estou terminando o curso de Direito em uma boa universidade, faço o curso na UnP. E para você ter ideia, com exceção da universidade federal, todas as quatro outras instituições de universidades tiveram, em algum momento, para que existissem, a minha presença, a minha decisão. Fui relator no Conselho Federal de Educação, fui o único norte-rio-grandense a integrar esse órgão, os primeiros curso da UnP foram relatados por mim. Hoje a universidade me acolhe como aluno. A Facex também teve os primeiros cursos relatados por mim. O IFRN é instituto e é universidade por força de uma lei de minha iniciativa, que transformou as escolas técnicas federais em instituições de ensino superior. A universidade estadual teve que ter o meu voto no Conselho Federal de Educação. Agora vou terminar meu curso de Direito, que é uma área de conhecimento extraordinário. Vou continuar fazendo o que faço, escrever. Estou com outro livro praticamente concluído, que reunirá artigos que já escrevi e publiquei em jornais. Mas pretendo continuar dentro da concepção de que a vida é um dom extraordinário para que se busque a paz, a felicidade, a realização pessoal. 

Livro destaca os momentos cruciais 

Tádzio França - repórter

Um grande desabafo. Assim João Faustino Ferreira Neto resumiu seu quarto livro, "Eu perdoo", que será lançado hoje, às 19h, no salão de eventos Cardeal Sales, Tirol. Após 52 anos de vida pública, o ex-deputado federal e atual suplente de senador se sentiu à vontade para rever alguns momentos cruciais de sua via pessoal e política. "Prometi a mim mesmo que quando chegasse aos 70 anos de vida, falaria sobre determinados assuntos que costumavam ser calados. E essa hora chegou", afirma. 

"Falar sobre sua própria vida não é tarefa fácil, especialmente quando essa vida é marcada por frequentes adversidades. Afinal, quem não as enfrenta? Quem no decorrer da existência não teve que superar obstáculos e vencer desafios?", escreveu Faustino num capítulo do livro. Segundo ele, a publicação pontua ocasiões em que a virtude do perdão foi exigida de forma marcante em sua vida. "Você só conquista a paz pela via do perdão, um ensinamento que tive que pôr em prática muitas vezes. Acredito que o perdão é a mais nobre e desafiadora atitude do ser humano em relação ao outro", diz. 

Pelas páginas de "Eu perdoo", Faustino fala sobre o traumático assassinato do pai, cujas mandantes foram suas próprias mãe e avó, um crime que chocou Natal na década de 50; fala também de sua atuação parlamentar, das memórias como educador enquanto foi diretor da antiga ETFRN; e de outro momento que também o marcou negativamente, quando foi indiciado e preso durante as investigações do Ministério Público sobre a Operação Sinal Fechado, no ano passado, segundo ele, uma grande injustiça cometida.

O ex-deputado relembra o impacto da morte de seu pai quando ele tinha nove anos de idade, em 1951. Foram quase três anos de investigações até chegarem à verdade. "João ainda se lembra dos gritos de socorro pronunciados pela sua mãe, como também se lembra de ter visto o seu pai, já morto num canto do jardim, exatamente às margens do perfumado pé de jasmim", diz um trecho do livro sobre o episódio. A avó de Faustino assumiu a culpa total para livrar a filha. A mãe cumpriu legalmente a pena que lhe foi imposta, mas continuou a cuidar normalmente dos filhos. Ela faleceu em 1997, segundo o filho, "sem mágoas, pedindo perdão àqueles a quem havia ofendido".  

Outro momento delicado, o envolvimento na Operação Sinal Fechado, é definido por João Faustino como injusto. "Me senti profundamente injustiçado, juntamente com minha família. Fui acusado sem nunca ter sido ouvido, e isso maltrata demais a pessoa", afirma. O suplente de senador esteve entre os acusados da operação, e foi preso. No entanto, apresentou problemas cardíacos durante a prisão, tendo o Superior Tribunal de Justiça (STF) achado por bem conceder o habeas corpus a ele. João relata a importância que teve para ele o apoio de pessoas que foram visitá-lo durante a prisão, como o Arcebispo Dom Heitor de Araújo Sales. João Faustino afirma que "Eu perdoo" é uma espécie de biografia sua, focada apenas em determinadas passagens. Ele ressalta também o fato de o livro ter sido encadeado quase como uma 'romance' baseado em fatos reais. "Eu me preocupei em fazer um livro que motivasse o leitor a cada página, por isso, os fatos não seguem uma cronologia linear, explica. Ele ressalta que esse livro é, de fato, o mais pessoal que já escreveu. "Em última instância é isto: um grande desabafo". 

Serviço: Lançamento de "Eu perdoo", por João Faustino. Quinta-feira, das 19 às 22h, no salão de eventos Cardeal Sales (ao lado da Igreja Santa Terezinha), Tirol.  
da TN 

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