Procura por cursos de licenciatura fica estagnada


A dificuldade em preencher as vagas disponíveis para professores de Matemática, Física e Química na rede pública de ensino do RN não é um fenômeno isolado. De acordo com o Censo do Ensino Superior 2011, do Ministério da Educação, o número de formandos nos cursos de licenciatura dessas três áreas caiu em todo o Brasil no ano passado. As estatísticas do MEC apontam que houve queda de 8% na formação de novos professores de Física e 6% em Matemática - em 2011, cerca de 14 mil universitários chegaram ao mercado como docentes nas áreas destacadas, enquanto 95 mil novos bacharéis concluíram o curso de Direito. 

No RN a problemática também se repete nos cursos de Química e Matemática, respectivamente com queda no número de concluintes de 38% e 47%; diferente do curso de licenciatura em Física, que passou de 18 para 38 concluintes de 2010 para 2011, um aumento de 111%.

Em 2008, último levantamento feito pelo Ministério da Educação quanto ao déficit de professores nessas três matérias, havia 160 mil vagas não preenchidas em todo o país. E como os índices de ingressantes e concluintes haviam sido crescentes até 2010, o quadro atual mereceu atenção do governo federal, que já tomou medidas para tentar reverter essa tendência de queda. "Há um debate nacional em torno da reestruturação da grade curricular do ensino médio, que passaria a ser orientado por áreas de conhecimento como Linguagens, Humanas e Ciências, e não por disciplinas isoladas", disse Betânia Ramalho, secretária Estadual de Educação. Segundo ela, a partir da flexibilização do currículo não haverá mais a necessidade de um professor para cada matéria e as disciplinas passariam a dialogar de forma mais estreita entre si. 

"A tendência", ressalta Betânia, "é superar o formato enciclopédico atual do conteúdo do ensino médio, dando lugar à uma estrutura curricular mais direcionada", complementa. A secretária garante que o novo formato não irá limitar o acesso ao conhecimento, pois o conteúdo básico e comum a todas as áreas não deixaria de ser repassado. A preocupação e a busca urgente por soluções é reforçada pelo fato de que dois terços dos estudantes brasileiros são oriundos da rede pública de ensino. O governo federal ainda sinaliza, como forma de retomar a formação de professores, a criação de novas universidades e institutos federais com cursos de licenciatura. 

Apesar da oferta ser inversamente proporcional à procura, pois há vaga e faltam profissionais aptos no mercado, a demanda reprimida deverá persistir. De acordo com o MEC, a carreira docente ainda não foi impactada por melhorias como a adoção de um piso nacional - hoje fixada em R$ 1.451. O novo valor básico poderá atrair e incentivar a formação de novos professores.

Para o pró-Reitor adjunto de Graduação da UFRN, Adelardo Medeiros, três fatores devem ser considerados para justificar a baixa na demanda: dificuldade dos estudantes em Matemática; migração para outros cursos correlacionados e bacharelado, como as Engenharias por exemplo; e a dificuldade dos profissionais em conciliar o aptidão pelas ciências com a área de ensino. Independente de qualquer estatística, a falta de interesse está refletida nas salas de aulas de cursinhos de pré-vestibular. No Colégio e Curso CDF, em uma sala com mais de 130 alunos, apenas três vão fazer vestibular (fizeram o Enem) para licenciatura - duas pessoas para Matemática e uma para Química.



UFRN tem dificuldade para preencher vagas de licenciatura

O desinteresse pelos cursos de licenciatura em Matemática, Física e Química é confirmado pelo pró-Reitor adjunto de Graduação, Adelardo Medeiros, que considera a questão um "problema sério". Ele explicou que a UFRN abriu cursos à distância em várias cidades do RN, mas houve dificuldades em preencher todas as vagas. Os cursos são, prioritariamente, para professores que já atuam em sala de aula e ainda não tinham graduação; mas muitas turmas nem chegaram a serem formadas: "Em outras, as vagas disponíveis acabaram preenchidas por estudantes que estão ingressando na graduação agora", informou.

Exemplo da baixa procura é comprovada por números: "Houve caso de abrirmos 40 vagas e apareceram três professores". Medeiros disse que no Campus Central da UFRN as vagas são preenchidas, "mas a demanda não é grandiosa". Os cursos de licenciatura da Universidade Federal estão concentrados nos Campus de Natal e Caicó. 

Outro programa da UFRN que também lança holofotes sobre a requalificação dos docentes é o Parfor (Plano Nacional de Formação de Professores), que visa a segunda licenciatura para professores, "mas em todos há essa dificuldade nas áreas de exatas, é uma forma de qualificar professores de Biologia, por exemplo, que estão dando aula de Física".

Distância 

Para Medeiros, o problema verificado nos cursos à distância reflete uma dificuldade que vem desde o ensino médio. "É lá que está a origem do problema, na dificuldade com a aprendizagem da matemática". 
Ele admite que o desinteresse em ser professor também tem a ver com a remuneração "não tão alta" e o desprestígio da profissão. "Diante disso, candidatos que têm aptidão para matemática, base para a Química e Física, acabam migrando para as Engenharias ou bacharelado pela possibilidade de maior remuneração".

Matemática

O professor Claudemir Caldas, coordenador do curso de Matemática da UFRN, ressalta que, mesmo com uma queda na demanda, "as vagas no Campus Central são preenchidas". "Em sala de aula é mais difícil sentir essa diminuição pela procura". Segundo ele, a concorrência aumentou um pouco nos últimos anos: passou de 1,60 em 2011 para 2,73 em 2012, mas aponta evasão alta dos alunos. 

"O pessoal vai percebendo que não é bem a praia e desiste no caminho". Caldas ressalta que o Departamento de Matemática está preocupado com essa questão e vem enfatizando na didática mantendo uma "estrutura da grade curricular atrativa". 

Bate-papo - » Betânia Ramalho - secret. estadual de Educação

Como contornar esse déficit de professores na área de ciências?
A Secretaria de Educação vem promovendo cursos para ampliar a qualificação dos professores. Outra forma de minimizar é a realização de aulões dessas disciplinas para não prejudicar os alunos. Houve também um incremento na carga horária, e o reordenamento de professores - nas escolas onde sobra para onde está faltando.

Que outros fatores também podem desestimular o ingresso em cursos de licenciatura?
Outra explicação, acredito, que não atrai para o magistério na área de ciências, é o fato do profissional ter que dominar e manter-se atualizado em vários assuntos correlacionados sem ter o devido reconhecimento por isso. Há uma dinâmica nas ciências que exige dedicação maior, inclusive para  planejar e repassar melhor o conteúdo aos jovens de maneira a estimular e manter o interesse por determinada disciplina. Também considero a questão do perfil profissional.

O fator financeiro influencia?
Não diria o fator financeiro como primordial e sim a própria estruturação da carreira de professor, que não é fortemente atrativa. Há toda uma preocupação em dignificar o trabalho do professor e incrementar a carreira seria uma das formas.  

Estudantes dizem que baixos salários desestimulam 

Contrariando estatísticas e a ordem de mercado, Luana Barbosa da Cruz, Jábine Talitta Nunes Nicácio e Ranayanne Suylane Pereira Campos, todas com 20 anos e estudantes do 6º período do curso de licenciatura em Química na UFRN, estão em busca, principalmente, de realização pessoal. "Já tinha interesse pelas exatas e como tive excelentes professores, que me estimularam durante o ensino médio, escolhi a licenciatura", disse Luana, reconhecendo que existe um estereótipo com os cursos da área de ciências de que "são difíceis". Ela disse que a turma começou com 50 alunos e hoje tem cerca de 15, e apenas oito estão nivelados.
Adriano AbreuLuana Barbosa, Jábine Talitta e Ranayanne Suylane fazem licenciatura
Luana Barbosa, Jábine Talitta e Ranayanne Suylane fazem licenciatura

Jábine também buscou Química pela afinidade com a área de cálculo. "Tentei Engenharia Química, entrei na segunda opção e ainda pensei em trocar, mas isso foi no início", disse a universitária, que quando teve conhecimento da grade curricular decidiu seguir na licenciatura. "Quando tive aulas de educação e didática me encontrei na área". Jábine acredita que muito do desinteresse dos estudantes do ensino médio com as ciências vem do fato dos professores jogarem o conteúdo de qualquer jeito: "Aqui estamos aprendendo a buscar maneiras de despertar esse interesse".

Para Ranayanne "o grande diferencial para um professor dessa área é trazer o ensino para o cotidiano do aluno", e reconhece que a dificuldade maior é com Matemática.

Ricardo Fernandes, 24, já formado em Química Licenciatura, ouvia a conversa e acrescentou: "Muitos colegas acabaram reingressaram em cursos correlatos, Mestrado e alguns estão indo para o Doutorado. Aqueles que atuam como professores ou estão na rede particular, dando aula em cursinho ou no IFRN. A baixa remuneração é o que desestimula", acredita.
Fernandes chegou a ingressar no Mestrado, mas disse que, "no momento", vai seguir atuando no mercado: ele trabalha em uma multinacional de petróleo como como engenheiro de fluídos.

Cursinho

Josiberto de Souza Rêgo, professor e diretor do cursinho CDF, tem 25 anos de experiência na área de educação e admite que o "mercado influencia", mas não é o único item que interfere na escolha pelo curso superior. "Na prática não há valorização da profissão de professor, e a  questão salarial pesa muito", observa. 

Em uma das salas do cursinho CDF, das 130 alunos apenas três se inscreveram em cursos de licenciatura - o ponto em comum é a afinidade com as exatas e a independência de escolha. "Minha meta é ensinar independente da escola ser privada ou pública", garantiu Elson Rodrigo Miranda da Silva, 19, que optou pelo curso de licenciatura em Química.

Já Vanessa Varela Morais, 23, candidata a uma vaga em Matemática, contou que as pessoas "estranham a vontade de ser professor": "Quero mostrar que aprender Matemática não é difícil como muitos pensam". O caso de Maurício Makaren, 17, também na concorrência da licenciatura em Matemática, é um pouco diferente. Ele mantém em aberto seu futuro como professor: "Quero terminar o curso, dar aula, e se não tiver compensando vou migrar para Engenharia Civil".
da TN

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