Nova Secretária de Mulheres do PT-RN fala sobre a luta pela igualdade de gênero

A nova Secretária de Mulheres do PT-RN, Divaneide Basílio, eleita em votação realizada no último sábado, 16, sabe que, num contexto de avanço do conservadorismo, recrudescimento do machismo e retrocessos em todas as áreas, pautar o debate sobre a igualdade de gênero, com todas as suas implicações éticas, sociais e políticas, não vai ser uma missão fácil. Mas esse é um desafio que não assusta a ela que, além de petista, é socióloga, educadora popular e primeira suplente de vereadora em Natal.

Nesta entrevista, concedida em meio a uma reunião da Executiva do PT, Divaneide fala sobre o desafio de estar à frente da Secretaria de Mulheres, a luta contra os retrocessos da Era Temer e as ideias para lutar contra a onda conservadora, machista e misógina que se espalha pelo Brasil.

Qual o significado da sua eleição e quais as prioridades à frente da Secretaria de Mulheres do PT-RN?

Divaneide: Representa a continuação do fortalecimento do feminismo no PT, a partir do reconhecimento das identidades e das diversidades das mulheres. Para nós, será fundamental garantir essa associação do lugar social das mulheres, da atualização da pauta feminina, bem como o lugar de raça e classe. Queremos trazer para a roda, com muita força, as mulheres jovens, negras e LGBT’s. Valorizar o que já temos de legado e ampliar, ouvindo as comunidades, as mulheres rurais, reconhecendo e fortalecendo as trajetórias.

O país vive um contexto de retrocessos em matéria de direitos sociais, econômicos e políticos com o pós-golpe de 2016. As mulheres são, talvez, o segmento mais afetado, inclusive pelos efeitos das reformas anti-povo do governo Temer. Como reagir a isso?

Divaneide: O papel da Secretaria de Mulheres é construir estratégias, em primeiro lugar, para enfrentar os efeitos do golpe, lutar pela restauração, afirmação e consolidação da democracia e construir a nossa organização interna, mas, sobretudo, priorizar a participação feminina nas disputas eleitorais gerais.

A luta pelos direitos das mulheres, conquistados a duras penas nos últimos anos, sem dúvida, é uma das causas mais importantes, porque a população feminina foi o segmento mais fortemente atingido pelas consequências do golpe misógino de 2016.

O aumento da violência física, psicológica e simbólica contra a população feminina, bem como a ausência de aparato governamental para proteção das mulheres, além de ser um fato que precisa ser constantemente denunciado, demonstra a dimensão do nosso desafio. Não é possível continuar ignorando o crescimento do feminicídio, a cultura do estupro nem o extermínio da juventude negra, que tem deixado mães órfãs dos seus filhos e produzido jovens viúvas em série nas comunidades pobres das nossas cidades.

A retirada de direitos no campo da assistência social, por exemplo, produz um efeito perverso sobre as mulheres, porque, com isso, o país voltou a figurar no mapa mundial da fome, atingindo diretamente as mulheres das periferias urbanas e das comunidades rurais. Além disso, temos a ameaça da reforma previdenciária, o desmonte das políticas públicas implantadas nos governos Lula e Dilma e a desestruturação das Secretaria Nacional de Mulheres sinalizam para um contexto de muita luta e resistência. Portanto, temos na ordem do dia a necessidade de nos inserirmos na agenda de lutas e de pautar os movimentos sociais a partir da luta das mulheres.

As mulheres são, notoriamente, sub-representadas nos espaços políticos, mesmo sendo maioria entre a população brasileira. Como é possível reverter essa desproporção?
Divaneide: A participação das mulheres na política, como sabemos, já é bastante reduzida, mas pode ficar ainda menor com a reforma em curso. Caso esse projeto em discussão no parlamento federal seja aprovado, fica praticamente impossível falar em ampliação dos espaços políticos das mulheres. Precisamos investir na formação política, disputar os valores na sociedade e garantir que internamente nos fortaleçamos. Para isso, é essencial assegurar o exercício pleno da paridade de gênero para que tenhamos condições de participar das disputas pelos rumos da sociedade.

A luta contra as múltiplas formas do machismo está na pauta do dia. Como você pretende trabalhar essa questão e romper a bolha da esquerda para conquistar novos públicos para essa bandeira?

Divaneide: Não podemos hesitar no enfrentamento ao machismo e ao patriarcado. Nossa sociedade se mantém, tradicionalmente, alicerçada em valores que fortalecem e favorecem a supremacia masculina. Essa supremacia se expressa na cultura do sexismo, da misoginia e da negação ao reconhecimento da igualdade de gênero. Isso sem falar em outras manifestações da opressão, como o preconceito de classe, o racismo contra as mulheres negras e a discriminação contra as companheiras trans e lésbicas.

A construção dessa cultura de múltiplas opressões é reforçada por ideais como o projeto “Escola sem Partido”, que visa interditar o debate intelectual, escolar e acadêmico sobre essas questões, fortalecendo assim o modelo que se baseia essencialmente na desigualdade de gênero. Isso equivaleria a naturalizar as diversas formas de violência a que nós, mulheres, estamos submetidas – simbólica, física, sexual.

É importante ressaltar que essas ideias não surgem ao acaso, mas, ao contrário disso, têm um lastro histórico, político e social. O próprio golpe contra a presidente Dilma Rousseff simboliza esse machismo, por não ter se tratado apenas de um golpe parlamentar e jurídico, mas, sobretudo, sexista e misógino.

Qual a importância de debater o feminismo a partir da perspectiva de raça e de classe?

Divaneide: Discutir feminismo a partir da identidade racial e de classe é fundamental para entendermos que há, sim, um importante legado das mulheres em todas as ondas feministas, mas é preciso retomar a história de construção social do país, a desobstrução do papel da mulher negra no país e no mundo , como assinala Ângela Davis, segundo quem, ao ser escravizada, a mulher negra torna-se trabalhadora de tempo integral e perde o direito, por exemplo, de criar seus próprios filhos, fato que ainda ocorre na atualidade com o trabalho doméstico.

Então, há diversas pautas importantes, como a divisão sexual do trabalho, saúde sexual e reprodutiva e saúde mental das mulheres, mas quando se trata de recuperar a história sabemos que, quase sempre, as mulheres negras não ocupam lugar central. É só olhar para o aumento das mulheres negras no sistema carcerário, bem como a baixa participação das mulheres negras nos espaços de poder.

Temos que ampliar nossa pauta e ampliar o diálogo com as comunidades e grupos sociais e os movimentos de mulheres que pautam as questões de gênero e raça. A tarefa é grande e requer mais sororidade entre nós mulheres, para que possamos ampliar o diálogo através dessa pauta interseccional.

Fotos: Vlademir Alexandre.

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